Por Estefani Lima*
Assim como tudo na vida, nada é 100% alegria e nada é 100% tristeza; não seria diferente com o Programa Au Pair in America. Para quem não sabe, esse programa é SIM considerado trabalho doméstico. Porém, camuflado pelas condições do visto J1. Calma, eu vou explicar melhor!
Em ordem de esclarecer algumas dúvidas e fazer desse artigo uma boa leitura, vou separar por tópicos os assuntos abordados. Serão eles: a falta e a necessidade de child care nos Estados Unidos, as condições que Au Pair x Host Families enfrentam, as relações do governo com o programa, quem realmente sai ganhando com o programa e a forma que ele funciona. Vou citar minha vida sendo Au pair como um exemplo, na esperança de que alguém se reconheça nas minhas palavras e sinta vontade de fazer diferença no meio que vivemos. Independente desse programa ser de no máximo dois anos, eu, como ser humano possuidor de direitos, me sinto na obrigação de expor as falhas para que a próximas(os) Au pairs possam ter uma noção do que esse programa realmente é.
Eu demorei para entender que aupair é sim considerado trabalho doméstico, porque meu visto é de estudante e foi para isso que eu vim: estudar, trabalhar part-time e viver a cultura estadunidense. Na minha segunda semana nos Estados Unidos eu passei por um Rematch. Um dos kids que eu cuidava tinha diabetes e a família não sabia, meu inglês era horrível, o que dificultava a compreensão entre eu e a minha família acolhedora. Fiquei mais duas semanas em rematch, conversei com algumas famílias e acabei fechando com uma família de pais separados com três crianças. A minha agenda no começo era de segunda à sexta, com intervalo durante o dia e não precisava trabalhar aos finais de semana, não precisava lavar as roupas das crianças (pelo menos ninguém me propôs isso nas entrevistas), a família aparentava ser aberta e flexível. A mãe formada em sociologia e o pai em psicologia, achei que seria uma relação madura devido ao grau de educação deles. Porém, as coisas vão indo bem estranhas, foi o que me motivou a pesquisar mais sobre esse programa e as obrigações legais entre agência-participante-família acolhedora.
Há uma imensa e, inicialmente obscura, dissonância no programa Au Pair in America. Quando eu estava no Brasil procurando uma forma de melhorar meu inglês e expandir horizontes, achei esse programa interessante, porém não sabia a quem as prerrogativas realmente eram. O programa foi vendido como intercâmbio cultural, a um preço acessível, pelo menos mais barato que os outros intercâmbios que procurei na época. Uma Au Pair trabalha no máximo 45 horas por semana e ganha no mínimo US$195,75. Nada mal para quem tem os padrões brasileiros como medida de salário! Acontece que, muitas vezes esse valor não é o suficiente para aproveitar e viajar pelo país como sugere os objetos do visto J1. O programa requer algumas horas com experiências com crianças, o número de horas depende do tipo de programa que você vai aplicar, no meu caso eu tinha duas opções: Au Pair in America (o mais comum) e EduCare. Além de comprovar o nível de inglês, precisamos também apresentar documentos médicos e psicológicos mostrando que somos aptas(os) para cuidar de crianças e conviver com uma família desconhecida. Em contrapartida, a família, quando aplica para o programa, não precisa comprovar nem apresentar uma boa saúde psicológica ou adequada para empregar uma Au Pair. Quando online, as cartas que lemos no perfil das famílias mostram familiares lindos e unidos, crianças adoráveis a aparentemente bem educadas, famílias que procuram alguém que possa atender e amar as crianças e compartilhar de uma outra cultura enquanto experimenta a cultura deles. Contudo, nós só descobrimos o quão sincero a carta de apresentação, a agenda acordada no começo e a abertura para uma nova cultura eram verdadeiras, quando aterrissamos em solo americano.
Com o visto de estudante J1 somos consideradas(os) intercambistas, sendo assim responsabilidade do Departamento de Cultura em vez de sermos responsabilidade do Departamento do Trabalho. Embora quando precisamos de algo é para as nossas LCC’s que pedimos ajuda, é muito raro quando a LCC realmente quer ajudar a Au Pair. Mas como disse no começo, vamos ter bom senso e razoabilidade e não generalizar. As agências são registradas como empresas sem fins lucrativos mas apenas famílias de classe média alta podem aplicar para o programa.
Trabalhando 45 hora por semana, com direito a 1.5 dia de folga por semana, duas semanas remuneradas de férias à mercê da agenda da host family, fica difícil fazer planos de viagens e até mesmo estudar. O que no meu caso foi difícil, demoramos para entrar em acordo sobre horário e dia, e quando feito, a minha host family mudou a agenda, o que gerou um grande stress entre nós, desgastando ainda mais a política relação entre au pair e host family.
Não é novidade para ninguém o quão child care é caro nos Estados Unidos, aliás, tudo que é realmente importante aqui é meio caro, como por exemplo, healthcare, universidades, taxas e tudo mais… mas se você quer gastar a vida comprando maquiagem e refugo de roupa de marca você pode encontrar coisa por preço de banana nas Tjmax da vida. Voltando ao assunto, au pairs, deêm uma olhada nas declarações da famílias nos sites e vejam que um dos pontos fortes do programa é o quanto isso é financeiramente acessível. Uma nanny aqui em Massachusetts custa, normalmente, no mínimo 15 dólares/hora. Enquanto, se dividirmos 195,75 ($) por 45 horas obteremos o resultado de 4,35 dólares/hora. Sei que não é todo mundo que trabalha as 45 horas inteiras, e também esse valor é independente do número de crianças que a au pair toma conta. Com a demanda de trabalho crescente para os americanos e o empoderamento feminino, o ramo de cuidados infantis teve uma grande ascensão. Assim as(os) imigrantes preenchem o papel do governo a nessa economia imperialista.
Quando falam que o empregado doméstico faz com que as outras profissões aconteçam, isso vai além do que se pode perceber a primeira vista. Nós somos mal remunerados, mesmo trabalhando para famílias de classe média, pessoas financeiramente capazes de pagar um outro tipo de child care ou até mesmo pagar melhores salários, enquanto a família da comunidade menos favorecida mal pode proporcionar bons cuidados para os filhos(as), pois o governo raramente proporciona cuidados infantis de qualidade e acessíveis aos enquadrados em baixa renda.
Embora existam coisas boas a se considerar, o programa é, em seu real objetivo, um meio que o governo encontrou de suprir a necessidade de cuidados infantis no sistema econômico americano, as au pairs entram nos Estados Unidos esperando uma vida de intercambistas, as famílias esperam uma nanny e trabalho doméstico acessível, e o governo, que sabe das falhas do programa, espera que ninguém reclame, pois temos um prazo de estadia no país.
Se você também se revolta, mas em algum momento pensa: “Ahhh, deixa para lá, eu só vou ficar nesse programa um ano ou no máximo dois!” pense que, se você falar, mostrar o que acontece, talvez você não mude sua realidade, mas iniciará uma nova e melhor realidade para outra pessoa. Afinal, se nós não falamos, não lembrarmos os empregadores dos nossos direitos, como é que as pessoas que possuem capacidade de nos defender saberão onde agir e como agir? Os direitos, sejam eles quais forem, necessitam ser relembrados e praticados com frequência.
*Estefani Lima é brasileira e trabalha como Au Pair na área de Boston. Ela pode ser contactada por meio do Grupo Mulher Brasileira, mulherbrasileira@verdeamarelo.org